domingo, 14 de outubro de 2012

ARTIGO DE OPINIÃO - CIDADANIA E EXCLUSÃO



   Porque da existência da exclusão num Estado de Direitos?
   Porque, mais do que um direito, a cidadania é o resultado de uma luta?
Berenice Mª Dalla Costa da Silva

CIDADANIA E EXCLUSÃO
Os direitos do cidadão e a inclusão, por mais que sejam invocados, defendidos ou transformados em leis, não necessariamente andam juntos. A política sempre será reflexo da disputa entre interesses desiguais. E esses interesses estão circunscritos em uma realidade social e econômica.
O Brasil, como a quase totalidade dos países, fundamenta-se num sistema econômico capitalista. E este sistema, por natureza, é excludente, uma vez que a riqueza socialmente produzida pelo trabalho da maioria é, em grande parte, apropriada por uma minoria de proprietários. Por mais que o liberalismo ou a social-democracia tentem amenizar os efeitos desta desigual repartição da riqueza, é somente isto que eles podem fazer: amenizá-la. Daí que, de acordo com a história e peculiaridade de cada país, temos diferentes graus de direitos conquistados e diversos níveis de exclusões.
Invadido e colonizado por portugueses, o Brasil fundou-se a partir da rapina de nossas riquezas, da exploração do trabalho escravo, do latifúndio, do subdesenvolvimento e da concentração da renda e do poder político. Temos uma elite que – como boa herdeira da casa-grande – é extremamente perdulária, preconceituosa, pouco afeita aos ideais democráticos e muito ciosa na manutenção do status quo.
Neste contexto, a existência formal de um Estado de Direito, não garante que as leis e os princípios constitucionais, ainda que avançados e igualitários, sejam efetivamente aplicados. Pelo contrário, constata-se uma flagrante contradição entre o que estabelece a constituição brasileira e a realidade social do país. Estão interditados, para grande parte dos cidadãos, direitos básicos como alimentação adequada, moradia, trabalho digno, renda, acesso à cultura, assistência médica e educação de qualidade.
Os poucos avanços obtidos em direção a uma constituição mais cidadã, a mudanças sociais inclusivas e o estabelecimento de políticas governamentais redistributivas, deram-se todos não a partir da benevolência dos donos do poder, mas como conseqüência de muita luta e organizações sociais. A classe trabalhadora, através da organização sindical, dos movimentos populares, associações de bairro, aliança com igrejas progressistas e inúmeras outras formas de luta política, fez pender a seu favor a correlação de forças que possibilitou o uso dos recursos públicos de uma forma um pouco menos excludente.
A verdadeira cidadania jamais será uma concessão. Ela deve ser diuturnamente construída, fortalecida, assegurada e vigiada. E será proporcional à capacidade de participação política e de intervenção da maioria dos cidadãos. A repartição da riqueza não se dará somente de forma negociada. Há que se ter algum tipo de confronto, no qual para muitíssimos terem mais acesso à riqueza e à renda, alguns poucos terão que abrir mão de seus excessos.
Na conjuntura atual percebe-se o esgotamento das estratégias de governo onde todas as classes saem ganhando. Este falso equilíbrio, que cria uma discutível e anêmica “classe média”, tem seus limites. Ainda que óbvio, é necessário destacar que cada avanço deve ser comemorado. Mas, se existir a convicção de que todos são iguais não apenas perante a lei, de que os direitos de cidadania são, acima de tudo, direitos econômicos que garantam a sobrevivência com dignidade, de que é impossível democracia verdadeira sem justiça social, de que a renda não é privilégio de poucos, mas direito de muitos, de que a política é a busca do bem comum, aí então será necessário juntar forças e fazer com que a luta democrática mude a correlação de forças e rompa com os limites de um quase assistencialismo governamental.
            Dar o peixe sim, para que ninguém ainda tenha que morrer de fome. Ensinar a pescar também, pois o avanço tecnológico é fruto do desenvolvimento coletivo da humanidade e a ela deve ser repassado. Mas, acima de tudo, garantir que todos tenham acesso à vara e ao açude, pois, caso contrário, a sociedade permanecerá refém da falácia de uma meritocracia individualista que só faz reproduzir uma sociedade profundamente injusta e desigual, que bloqueia o acesso à propriedade e à renda e que culpa as vítimas por todas as suas desgraças.
            Porque a cidadania não é feita de vítimas: ela é feita de cidadãos.

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