Porque da existência da exclusão num Estado de Direitos?
Porque, mais do
que um direito, a cidadania é o resultado de uma luta?
Berenice Mª Dalla Costa da Silva
CIDADANIA E EXCLUSÃO
Os
direitos do cidadão e a inclusão, por mais que sejam invocados, defendidos ou
transformados em leis, não necessariamente andam juntos. A política sempre será
reflexo da disputa entre interesses desiguais. E esses interesses estão
circunscritos em uma realidade social e econômica.
O
Brasil, como a quase totalidade dos países, fundamenta-se num sistema econômico
capitalista. E este sistema, por natureza, é excludente, uma vez que a riqueza
socialmente produzida pelo trabalho da maioria é, em grande parte, apropriada
por uma minoria de proprietários. Por mais que o liberalismo ou a
social-democracia tentem amenizar os efeitos desta desigual repartição da
riqueza, é somente isto que eles podem fazer: amenizá-la. Daí que, de acordo
com a história e peculiaridade de cada país, temos diferentes graus de direitos
conquistados e diversos níveis de exclusões.
Invadido
e colonizado por portugueses, o Brasil fundou-se a partir da rapina de nossas
riquezas, da exploração do trabalho escravo, do latifúndio, do
subdesenvolvimento e da concentração da renda e do poder político. Temos uma
elite que – como boa herdeira da casa-grande – é extremamente perdulária,
preconceituosa, pouco afeita aos ideais democráticos e muito ciosa na
manutenção do status quo.
Neste
contexto, a existência formal de um Estado de Direito, não garante que as leis
e os princípios constitucionais, ainda que avançados e igualitários, sejam
efetivamente aplicados. Pelo contrário, constata-se uma flagrante contradição
entre o que estabelece a constituição brasileira e a realidade social do país.
Estão interditados, para grande parte dos cidadãos, direitos básicos como
alimentação adequada, moradia, trabalho digno, renda, acesso à cultura,
assistência médica e educação de qualidade.
Os
poucos avanços obtidos em direção a uma constituição mais cidadã, a mudanças
sociais inclusivas e o estabelecimento de políticas governamentais
redistributivas, deram-se todos não a partir da benevolência dos donos do poder,
mas como conseqüência de muita luta e organizações sociais. A classe
trabalhadora, através da organização sindical, dos movimentos populares,
associações de bairro, aliança com igrejas progressistas e inúmeras outras
formas de luta política, fez pender a seu favor a correlação de forças que
possibilitou o uso dos recursos públicos de uma forma um pouco menos
excludente.
A
verdadeira cidadania jamais será uma concessão. Ela deve ser diuturnamente
construída, fortalecida, assegurada e vigiada. E será proporcional à capacidade
de participação política e de intervenção da maioria dos cidadãos. A repartição
da riqueza não se dará somente de forma negociada. Há que se ter algum tipo de
confronto, no qual para muitíssimos terem mais acesso à riqueza e à renda, alguns
poucos terão que abrir mão de seus excessos.
Na
conjuntura atual percebe-se o esgotamento das estratégias de governo onde todas
as classes saem ganhando. Este falso equilíbrio, que cria uma discutível e
anêmica “classe média”, tem seus limites. Ainda que óbvio, é necessário
destacar que cada avanço deve ser comemorado. Mas, se existir a convicção de
que todos são iguais não apenas perante a lei, de que os direitos de cidadania
são, acima de tudo, direitos econômicos que garantam a sobrevivência com dignidade,
de que é impossível democracia verdadeira sem justiça social, de que a renda
não é privilégio de poucos, mas direito de muitos, de que a política é a busca
do bem comum, aí então será necessário juntar forças e fazer com que a luta
democrática mude a correlação de forças e rompa com os limites de um quase
assistencialismo governamental.
Dar
o peixe sim, para que ninguém ainda tenha que morrer de fome. Ensinar a pescar
também, pois o avanço tecnológico é fruto do desenvolvimento coletivo da
humanidade e a ela deve ser repassado. Mas, acima de tudo, garantir que todos
tenham acesso à vara e ao açude, pois, caso contrário, a sociedade permanecerá
refém da falácia de uma meritocracia individualista que só faz reproduzir uma
sociedade profundamente injusta e desigual, que bloqueia o acesso à propriedade
e à renda e que culpa as vítimas por todas as suas desgraças.
Porque a cidadania não é feita de
vítimas: ela é feita de cidadãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário